quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Pouso*


O velho comunista sentia-se fraco; caminhava meio trôpego, esforçando-se para não desmaiar na calçada. O sol ardia, a roupa pesava, sua cabeça latejava, a fome e a náusea misturavam-se; o desespero e o alívio da morte intercalavam-se a cada passo, a cada respiração difícil, a cada tremor das velhas juntas.
O velho tentava não chorar, tentava recordar-se dos bons dias, dos velhos sonhos, dos livros, das mulheres, das guerrilhas vividas e imaginadas; mas, a cada passo a dor e a tontura aumentavam.
O velho, numa última tentativa de auto-controle, começa a pensar na desgraça de não haver um sistema de saúde eficiente no país; por um momento, sente-se rejuvenescido, tem ímpetos de discursar, energiza-se como por encanto. Mas a dor e a tontura o chacoalhavam; o velho comunista sente-se só, uma sensação de desamparo invade a velha alma, uma revolta sacode a mente controlada, naquele momento o velho queria assistência, bem lá no fundo, o velho sonha com um hospital particular, com uma equipe médica confortando e abreviando-lhe o sofrimento, alguém segurando sua mão...
Naquele instante o velho suspirou por não ter nada, por não ter conseguido ver seus ideais tomarem forma, pelo filho que fugiu...
O velho comunista escorava-se numa árvore em frente ao pronto-socorro, olha a fila imensa, os rostos tristes, pensa em pedir ajuda pensa em suplicar um último momento de alívio, mas desiste. Senta-se na calçada, deixa as lágrimas caírem em profusão, contempla mais uma vez a incoerência a sua volta, não se conforma e chora impotente saldo, o lamento e a revolta de sua vida inteira.
O velho comunista solta um gemido, tosse, a dor e a tontura tomam conta do seu corpo; sente sede, mas contenta-se com a própria saliva; deita-se na calçada suja, sente um último e doloroso espasmo, o alivio das dores e a escuridão trazem paz, o velho simula um sorriso, relaxa o corpo, finalmente inundado por uma sensação de liberdade.

Nê Sant’Anna

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